Se você quiser saber mais: HISTÓRIA DA CIRURGIA DA CATARATA
O estudo da anatomia e fisiologia do olho teve início há mais de 3000 anos. Infelizmente, muitos dos relatos antigos se perderam ou encontram-se incompletos. Dentre os mais antigos, estão as descrições feitas por Hipócrates (400 a.C.) e por Aristóteles (350 a.C). A descrição do cristalino com a cápsula e suas estruturas zonulares data do século I d.C., quando Celsus, Rufus e Galeno relataram sua anatomia. Eles postularam que esta estrutura era a responsável pela visão. A teoria de Celsus foi questionada por Ibn Rushd, em 1150, que propôs que a retina, e não o cristalino, seria a estrutura responsável pela visão. Entretanto, esta idéia só seria aceita em 1515, quando Vesalius confirmou a função da retina e Francisco Manrolycus estabeleceu a função óptica do cristalino.
Até esta época, acreditava-se que a catarata era uma doença semelhante ao glaucoma, pois, aparentemente, ambas levavam à cegueira e ao “esbranquecimento do olho”. A idéia da catarata, como sendo a opacificação do cristalino, foi descrita somente em 1650, por Rolfinck, e rejeitada inicialmente pela grande maioria dos médicos, sendo inteiramente aceita somente um século depois.
Apesar da compreensão da anatomia e da função do cristalino serem recentes, as cirurgias de catarata já eram realizadas há muito tempo. O código de Hammurabi (1800 a.C.) previa a pena de amputação das mãos no caso do cirurgião causar uma lesão grave ao olho do paciente na tentativa de se operar a catarata. O primeiro manuscrito conhecido da cirurgia de catarata encontra-se no Susruta, datado do início do século I, e descreve a manometria de deslocamento do cristalino para a câmara vítrea nos casos de catarata. Por muito tempo, esta foi a técnica de escolha para a maioria dos casos. Celsus e Galeno propuseram que nos casos em que a luxação não fosse possível, o cristalino deveria ser dilacerado e seus pedaços espalhados no vítreo. Além destas, diversas outras técnicas foram utilizadas ao longo do tempo apesar dos resultados desanimadores. Muitas vezes, as técnicas criadas foram utilizadas por algum tempo e depois abandonadas, sendo retomadas à medida que o desenvolvimento dos equipamentos e materiais permitia. Este foi o caso da facoemulsificação, que é atualmente o método de escolha para o tratamento da catarata e que consiste em fragmentar e aspirar o cristalino. O primeiro a empregar o método de sucção para remoção da catarata foi Antyllos, um grego que viveu no século III. Entretanto, foi Abul Quasim Ammar o primeiro a descrever com detalhes esta técnica em seu “Livro da Seleção das Doenças Oculares”. O ponto em comum, entre as técnicas mais bem aceitas, era o fato de serem realizadas sem amplas aberturas do olho, por meio da luxação do cristalino para a câmara vítrea ou fragmentação do mesmo, para posterior reabsorção pelo próprio organismo.
A primeira grande evolução na cirurgia de catarata começou em 13 de abril de 1752, quando Jacques Daviel apresentou seu trabalho intitulado, “Um novo método para a cura da catarata por meio da extração do cristalino”. Segundo Daviel, o cristalino seria removido por meio da abertura da cápsula anterior e ampla incisão na córnea. Esta técnica foi conhecida como extração extra capsular, tendo sido utilizada por algum tempo e depois abandonada, para somente 2 séculos depois ser resgatada. Enquanto isso, outras técnicas surgiram, como a da extração intracapsular, descrita inicialmente por St. Yves em 1722, e aperfeiçoada por Samuel Sharp e posteriormente por George Beer, em 1799. Deu-se início a uma nova era no tratamento da catarata, com cirurgias que abriam o olho para remover o cristalino. A idéia de abrir o olho não era bem vista pela maioria dos cirurgiões, sendo que esta técnica só ganhou força na segunda metade do século XIX, após três grandes avanços da Medicina.
O primeiro foi a introdução da anestesia geral, que vinha sendo realizada desde o início do século XIX, mas que somente 50 anos depois passou a ser utilizada rotineiramente em cirurgias de catarata. Isto facilitou a tolerância do paciente à operação, possibilitando uma manipulação do olho por parte do cirurgião. Além disso, em 1884, Carl Koller descobriu o efeito anestésico local da cocaína, por meio de estudos na córnea e conjuntiva de sapos. A anestesia local em oftalmologia foi apresentada no Congresso de Heidelberg no mesmo ano, tendo sido aceito imediatamente no mundo inteiro. Com a evolução dos materiais e substâncias, no início do século XX foram melhoradas as técnicas de acinesia e anestesia do olho. Anton Elsching propôs, em 1928, pela primeira vez, a técnica de injeção retrobulbar de anestésico para imobilizar e anestesiar o globo ocular. Van Lint, em 1914, já havia conseguido imobilizar o músculo orbicular, injetando anestésico diretamente nas fibras musculares.
O segundo grande avanço foi a introdução de suturas para o fechamento da ferida. Henry Willard Williams foi o primeiro a reportar esta técnica, ao suturar o limbo usando uma agulha de costura e um fino fio de seda. Devido ao fato do material utilizado ser muito grosseiro, esta idéia não foi bem aceita, tendo permanecido esquecida por mais 30 anos. Em 1894, o francês Jean Eugène Kalt reintroduziu a técnica de sutura corneo-escleral, utilizando agulhas e fios mais bem adaptados aos interesses oftalmológicos. O terceiro avanço foi quando Albrecht Von Graefe, propôs em 1864, uma nova abordagem para abertura do olho, a incisão limbar periférica. Esta nova técnica proporcionou uma incisão menor, mais eficiente e que protegia mais o olho, elevando a taxa de sucesso e reduzindo drasticamente a incidência de endoftalmite.
Com todas estas mudanças, a técnica intra capsular começou a ganhar adeptos, principalmente após os estudos de Macnamara, Molrony e Smith no final do século XIX, na Índia. Entre a primeira e a segunda guerra mundial esta técnica ganhou projeção, desbancando a extra capsular e tornando-se o método de escolha para o tratamento da catarata. Dois fatores levaram à predileção da técnica intra capsular, em relação à extra capsular. Primeiramente, como não havia microscópio, era muito difícil remover todo o córtex. Quando não removido completamente, o córtex residual provocava uma grave e destrutiva reação inflamatória que , invariavelmente, culminava na perda total ou parcial da visão. Além disso, não era incomum a opacificação da cápsula posterior devido aos restos corticais. Por outro lado, a técnica intra capsular, por remover todo o cristalino juntamente com sua cápsula, não era susceptível a estes tipos de complicações. Em segundo lugar, a técnica extra capsular exigia do cirurgião muita habilidade e treinamento, e a perda vítrea inadvertida era considerada uma complicação grave. Conseqüentemente, os cirurgiões pouco habilidosos obtinham melhores resultados com a técnica intra capsular.
No início do século XX, a facectomia intra capsular já era considerada o método de escolha para o tratamento da catarata. Durante, e logo após a Segunda Guerra Mundial, a extração intra capsular com iridectomia periférica havia se aperfeiçoado de tal forma que, alguns médicos, acreditavam que não se poderia melhorá-la ainda mais.
Grandes avanços médicos foram alcançados durante a segunda metade do século XX, em decorrência da Segunda Guerra Mundial, e isto repercutiu na oftalmologia. O primeiro foi a introdução da micro cirurgia. Equipamentos para amplificação, inicialmente as lupas, e, após 1950, os microscópios, adaptado por Harms e Barraquer ao uso oftalmológico. Outros dois avanços importantes ocorreram com a técnica intracapsular: em 1958, Joaquim Barraquer descreveu o uso de uma enzima para desfazer a zônula e em 1961, o polonês T. Krwawicz propôs de crioextração. Ambas facilitaram a remoção do cristalino e contribuíram bastante com a melhoria dos resultados cirúrgicos. A partir de 1960, a cirurgia extracapsular voltou a ganhar força com o surgimento de novas técnicas e equipamentos, deixando a intracapsular em segundo plano. O primeiro, e talvez mais importante passo para esta mudança, foi dado em 1949, pelo inglês Harold Ridley, ao desenvolver e implantar a primeira lente intra-ocular. No entanto, as primeiras lentes eram grandes e pesadas, tendo provocado um grande número de complicações. Demorou cerca de 10 anos, até que Cornelius Birkhorst conseguisse desenvolver, a partir do modelo de Ridley, uma lente mais bem adaptada ao olho humano. Birkhorst não só aprimorou a lente intra-ocular de Ridley, como também determinou que, a melhor técnica cirúrgica para seu implante seria a extracapsular, por preservar a cápsula posterior, permitindo o posicionamento ideal da lente dentro do saco capsular.
Outro importante passo foi dado por Charles Kelman, que em fevereiro de 1965, sugeriu que o equipamento de ultra-som utilizado pelos dentistas poderia ser adaptado para fragmentar o cristalino, permitindo a remoção do mesmo sem a necessidade de amplas incisões. Depois de dois anos de trabalho árduo, Kelman apresentou seu engenhoso equipamento de facoemulsificação. Por este método, através de uma abertura na cápsula anterior, o cristalino seria fragmentado por ultra-som e aspirado pela cânula do próprio equipamento. Desta forma, o cirurgião trabalharia em um sistema fechado, evitando a realização de amplas incisões e, conseqüentemente, exposição excessiva do interior do globo. A primeira cirurgia em olho humano demorou cerca de 3 horas, o equipamento era grande, pouco eficiente, de difícil controle e extremamente pesado, por isso, de início, esta técnica foi alvo de muitas críticas. Entretanto, três fatores agiram sinergicamente para possibilitar o desenvolvimento da moderna cirurgia de facoemulsificação: o progresso tecnológico (particularmente dos mecanismos de controle eletrônico); novas técnicas cirúrgicas (principalmente a abertura da cápsula anterior por meio de uma incisão curvilínea contínua – capsulorréxis12); e o desenvolvimento de lentes intra-oculares dobráveis de alta qualidade. Os cirurgiões,têm atualmente à sua disposição, equipamentos cada vez mais sofisticados, o que permite um controle cada vez maior do procedimento e, conseqüentemente, maior segurança para o paciente.
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